Autobiografia
“Nasci”
quando o meu filho nasceu, aquele ser pequeno que dependia tanto de mim e mal
sabia eu, que era ele que me ia ensinar a amar os outros e a mim mesma.
Antes disso,
vivi numa guerra travada pelos meus pais separados. O meu pai, que era a minha
imagem de ódio, fazia-me a vida num inferno, sempre com punições e regras, às
quais eu tinha um prazer enorme de contrariar. A minha mãe era o meu anjinho,
que me passava sempre a mão e que contornava os castigos que me eram impostos.
Na altura, o que eu não imaginava nem esperava, era o vazio enorme que senti
sair do meu peito, já que o meu anjinho viria a tornar-se no bebé que eu tinha
de tomar conta. Ela foi ao fundo e eu fui com ela, por muita força que eu
aparentasse ter, aqueles primeiros tempos sugaram-me a vida. Eu ainda era uma
criança, que estava a passar um mau bocado, algo que ninguém reparou ou
entendeu, mas isso não era algo que me admirasse, já que sempre acharam que eu
podia aguentar tudo e nunca cair ou até mesmo, chorar.
Até pode
parecer coisa de adolescente, mas ouvir música e escrever, levam-me a um mundo
que é só meu, que me ajuda a sarar as mágoas, que ainda estão bem vivas no meu
coração.
Vivi algumas
paixões e tive o coração partido, talvez umas duas vezes, mas eu pensava que o
problema do amor era meu, já que nem os meus pais me amavam, pensava que as
pessoas também não me podiam amar. Como poderia um rapaz ficar comigo? O
amor para mim (antes de me tornar mãe), sempre foi a ideia que tive dos meus
pais, discussões, falta de amor próprio, entre outras coisas negativas e um
facto que acho que para mim é científico, foi naquela altura procurar um homem
à imagem do meu excelentíssimo Pai e como seria de calcular essas relações não
acabaram muito bem.
Lembro-me de
sentir que não iria ter futuro, que a minha vida não iria fazer falta neste
planeta e que apesar de estar aos bocados por dentro, sem saber como os juntar,
de manhã quando acordava, sentia-me a começar do zero e voltava a ter forças e
vontade de continuar a viver.
No auge da
minha liberdade, encontrei o amor da minha vida ou pelos menos a pessoa que me
iria ajudar a gerar o amor para a minha vida. Ah! Vivi um sonho com aquele
rapaz, era tudo perfeito, tirando o facto de eu depender dele para respirar. Eramos
tão novos e tínhamos sonhos maiores que nós próprios. Achava mesmo que era com
aquela pessoa que eu iria mudar o mundo e a cabeça das pessoas. Ainda assim,
negativismo à parte, vivi o conto de fadas que todas as meninas sonham:
encontrar o príncipe encantado. Hoje, sei que depois do “felizes para sempre”,
vem uma tempestade de problemas e decisões que crianças e adolescentes
sonhadores não são capazes de travar.
Muito pior
que bruxas e dragões, veio a responsabilidade de trazer ao mundo um ser que
dependia de um sonho. E o sonho acabou. Fechei esse conto de fadas e desci à
realidade. O medo encarregou-se de me fazer temer o futuro, mas ao olhar para
os olhos azuis cristalinos daquele ser, acreditei que tudo ia ficar bem.
Mas, ficar
tudo bem, tem muitos obstáculos no caminho e sem querer, passei de menina a
mulher em aprendizagem, pois todos os dias, houve um desafio novo e nalguns
deles, achei que não ia conseguir, que sozinha não iria vencer, mas mesmo esses
fizeram-me crescer, e ao olhar aqueles olhos azuis cristalinos, eu senti
novamente aquela força de começar do zero, começar todos os dias do princípio e
simplesmente amar os meus.
É verdade,
que por vezes toda a minha escuridão vem à tona e sinto que não sou suficientemente
capaz de estar à altura dos ideais da minha família, que estarei sempre errada,
por muito que me esforce, mas a minha história prova-me que por muito que a
minha escuridão me consuma, a minha luz estará sempre presente, mesmo que me
sinta deslocada da sociedade, dos meus amigos e até da minha família, sei que
há uma pessoa no mundo que me ama incondicionalmente sem julgamentos.
Nasci no dia
em que o meu filho nasceu e agora renasço todos os dias.
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